30 de novembro de 2009
As gêmeas Voyager, na fronteira externa do sistema solar
A avançada tecnologia das novas sondas nem se compara à delas, mas nenhuma foi tão longe
Em 5 de março de 1979, a Voyager 1 chegou a Júpiter, seguida pela Voyager 2 em 9 de julho. De repente, o Laboratório de Propulsão a Jato (JPL, na sigla em inglês) da Nasa em Pasadena, Califórnia, foi inundado por fotos, claras como cristal, da atmosfera turbulenta de Júpiter e das erupções vulcânicas nunca antes vistas de sua lua, Io.
Quando sua gêmea chegou a Saturno, elas repetiram seu desempenho de Júpiter com imagens do magnificamente intricado sistema do mundo anelado e de suas luas, fornecendo ao cientista do Projeto Voyager, Ed Stone, tudo o que ele e seus colegas desejavam em uma torrente de descobertas.
A Voyager 2 seguiria adiante para explorar Urano, Netuno e suas luas. “O objetivo da ciência é descobrir coisas novas sobre a natureza e, normalmente, se você descobrir alguma coisa uma vez por ano já está bom”, afirma Stone. “Mas nós fazíamos descobertas diárias, vendo coisas que ninguém nunca vira.”
As Voyagers foram as naus capitânias da era de ouro da exploração planetária nos anos 1970 e 1980. Para a geração que atingiu a maioridade depois dos gloriosos dias da Nasa com a Apollo, e viria a experimentar a dura realidade da perda da Challenger em 1986, as missões Voyager representavam um caminho empolgante para a exploração, que estava fora do alcance de missões tripuladas. Até Hollywood se deixou levar pela empolgação e fez uma das Voyagers aparecer em um dos filmes de Jornada nas Estrelas. Além disso, as Voyagers 1 e 2 ainda estão voando, saindo do sistema solar a mais de 55000 quilômetros por hora. Espera-se que elas atinjam o espaço interestelar por volta de 2014.
Quando lançou as sondas gêmeas, a Nasa estava se aproveitando de um raro alinhamento entre Júpiter, Saturno, Urano e Netuno que ocorre uma vez a cada 175 anos, para enviar sondas em um “grand tour” do sistema solar. O alinhamento permitiu às sondas aproveitar a gravidade de cada planeta e saltarem de um a outro usando quantidades relativamente mínimas de combustível. Essa técnica foi demonstrada pela Nasa pela primeira vez com a missão Mariner 10, de Vênus e Mercúrio, de 1973 a 1975.
As Voyagers foram projetadas como uma missão de quatro anos para Júpiter e Saturno, construídas para durar no máximo cinco anos. No entanto, se sua primeira missão fosse um sucesso, a Nasa decidiria seguir, ou não, para Urano e Netuno, recorda Stone.
A Voyager foi, na verdade, a versão reduzida de um plano muito maior, proposto pela primeira vez na metade dos anos 1960, de enviar quatro veículos espaciais idênticos em uma missão mais longa ainda pelos planetas exteriores, de Júpiter a Plutão. Dois dos Veículos Espaciais Termoelétricos dos Planetas Exteriores, ou TOPS na sigla em inglês, seriam lançados em 1977 e outros dois em 1979.
Apesar de a Nasa ter enviado um pedido de orçamento para essa missão estendido em setembro de 1971, James Fletcher, então administrador da agência, descobriu em dezembro que o presidente Nixon só financiaria um dos projetos: ou o ônibus espacial, ou a missão dos TOPS. Antes do final de 1971, Fletcher concordou em cancelar o TOPS e substituí-lo por um par mais barato de veículos espaciais, que iriam apenas para Júpiter e Saturno.
A missão ressuscitou como Mariner-Júpiter-Saturno 1977, ou MJS ’77. Em março de 1977, alguns meses antes do lançamento de ambas as sondas, a missão teve seu nome trocado para Voyager. Enquanto isso, a equipe esperava que a missão fosse estendida para Urano e Netuno, algo que não fazia parte do plano original. “Mesmo uma jornada de quatro anos era considerada muito arriscada, então em vez de se comprometer com uma viagem de 12 anos para Netuno, que poderia não dar certo, a Nasa prudentemente decidiu: ‘Vamos fazer uma jornada de quatro anos para [Júpiter e] Saturno, e de lá vemos o que fazer’”, informa Stone.
A Voyager 1 completou sua primeira missão em novembro de 1980 depois de sobrevoar Titã, uma das luas de Saturno, e de passar por trás dos anéis do planeta. A experiência curvou a trajetória da sonda na direção Norte, para fora do plano eclíptico do sistema solar e na direção do espaço interestelar, o que destruiu a possibilidade de seguir para outros planetas externos.
Se a Voyager 1 falhasse em cumprir seus objetivos em Saturno, a Nasa poderia redirecionar a Voyager 2 para completar a missão de sua irmã gêmea. A Voyager 2 foi lançada duas semanas antes da 1, mas estava programada para fazer uma trajetória mais longa que a levaria além de Saturno nove meses depois da Voyager 1, e então ela seguiria para Urano e Netuno se a Voyager 1 tivesse cumprido seus objetivos.
As Voyagers – desenvolvidas graças aos sucessos do veículo Pioneer antes delas e que prepararam o terreno para Galileu, Cassini e outras sondas robóticas interplanetárias – tinham um poder computacional desprezível para os padrões de hoje. Cada sonda tinha três computadores com cerca de 8000 palavras de memória cada, calcula Stone. Isso significa que a equipe da Voyager freqüentemente tinha de fazer o upload de novos programas, particularmente durante os encontros, quando os cientistas queriam apontar as câmeras para vários locais. “A missão foi projetada para ser reprogramada”, afirma Stone. “O que não previmos antes do lançamento, por que fazíamos um planeta de cada vez, foi como reprogramar a sonda depois de Saturno.”
Em seu último encontro planetário, com Netuno, em 25 de agosto de 1989, a Voyager 2 chegou a um ponto no espaço que ficava a 100 quilômetros do alvo pretendido – depois de viajar mais de sete bilhões de quilômetros. A precisão foi o equivalente a encaçapar uma bola de golfe em um buraco a 3630 quilômetros de distância. O tempo de chegada ficou a alguns segundos do esperado – um ponto fundamental, já que a câmera e os outros instrumentos da sonda estavam programados para começar a funcionar em um momento específico, ressalta Stone.
Para conseguir imagens dos planetas mais externos foi necessária certa sutileza por parte dos programadores. A luz do Sol era quatro vezes menor em Urano e nove vezes menor em Netuno do que em Saturno; a Voyager 2 precisava ser reprogramada para que sua câmera conseguisse exposições mais longas. Mas isso também significava que a sonda tinha que ser corrigida para girar levemente enquanto sobrevoasse o que ia fotografar. Os ajustes permitiram às câmeras capturar imagens com uma luminosidade menor, e evitaram imagens borradas durante longas exposições. “Nós realmente precisávamos saber exatamente quando e para onde olhar, porque era nesse instante que a manobra deveria ser executada”, recorda Stone. “Tudo foi calculado muito precisamente. Tivemos que adotar novas técnicas para essas exposições conforme avançávamos pelo sistema solar.”
O Grand Tour da Voyager 2 pelo sistema solar exterior revelou uma vizinhança cósmica surpreendente, onde luas que se pensava estarem mortas e congeladas estavam pipocando com atividade geológica, escondendo prováveis oceanos subterrâneos e possivelmente abrigando vida. O passeio também deixou os cientistas boquiabertos com a descoberta de um campo magnético anormal em Urano e, em sua passagem por Netuno, com observações de tempestades gigantes, como as de Júpiter, naquele que os cientistas pensavam ser um planeta tranqüilo. Além disso, encontrou gêiseres de gás nitrogênio e poeira em sua lua congelada, Tritão.
O acúmulo de descobertas inesperadas humilhou a equipe da Voyager, reconhece Stone. “Tínhamos um ponto de vista muito ‘geocêntrico’ antes da Voyager”, nota. “Nossa experiência com a Terra havia se tornado nosso padrão e expectativa, e o que a Voyager mostrou todas as vezes foi que essa visão era muito limitada. Nós realmente não entendíamos o sistema, porque pensamos que a Terra fosse algo comum – e não é.”
Hoje, as Voyagers rumam em direção ao vácuo. Com suas câmeras desligadas e usando somente os instrumentos essenciais para racionalizar a energia de suas baterias de plutônio, cada vez mais fracas, elas atingiram a fronteira externa do sistema solar, uma região chamada de heliosheath, onde o vento solar se choca com o meio interestelar. A Voyager 1, tendo se curvado para o Norte primeiro, fora do plano eclíptico, está muito mais longe – a quase 16,5 bilhões de quilômetros da Terra, em 31 de julho. A Voyager 2, que deixou o sistema solar rumo ao Sul, está a mais de 12,8 bilhões de quilômetros de casa.
Uma equipe de 10 engenheiros, tanto em período integral quanto em meio-período, mantém contato diário, apesar de a comunicação à velocidade da luz demorar cerca de 30 horas para a Voyager 1 e 24 horas para a Voyager 2. Ambas as espaçonaves têm suficiente energia elétrica e propelentes de controle de estabilidade para continuarem operando até 2025. Até o encontro da Voyager 2 com Netuno, as missões custaram US$ 865 milhões. Agora a Nasa gasta cerca de US$ 5 milhões anualmente para manter as duas sondas, afirma Ed Massey, gerente de projeto da Voyager desde 1998.
Os cientistas estimam que em cerca de 40 mil anos, as duas sondas estarão nas vizinhanças de outras estrelas e a cerca de dois anos-luz do Sol. No momento, sua distância já lhes dá uma vantagem única – a visão que um pássaro teria do sistema solar. E, como última conquista ótica, a câmera da Voyager 1 conseguiu imagens a 6,5 bilhões de quilômetros de distância. O mosaico de 60 fotos, tiradas em 14 de fevereiro de 1990, captou o Sol e seis planetas. O “Retrato de Família”, como ficou conhecido, mostrou a Terra como um “pálido ponto azul” flutuando nas ondas de luz solar.
O astrônomo Carl Sagan, que ficou tentando convencer a Nasa a tirar a foto durante anos, escreveu um ensaio poético inspirado pela imagem: “Olhe de novo para aquele ponto”, escreveu Sagan. “Lá é cá. É nosso lar. Somos nós… O único lar que já conhecemos.” A bordo das sondas estão registros dourados, que contêm um punhado de informações sobre a vida na Terra, incluindo imagens, capítulos de enciclopédias sobre anatomia humana e gravações de saudações em várias línguas. Defendida por Sagan, a cápsula do tempo pode algum dia ser encontrada por vida alienígena.
Massey ri quando se lembra de como responde às pessoas que ficam preocupadas com a idéia das Voyagers encontrarem ETs. “Algumas delas perguntam se não estamos dizendo a eles onde estamos. Perguntam se não vão usar essas informações para nos atacar”, diverte-se ele. “Eu digo que eles já sabem onde estamos por causa das transmissões de I Love Lucy”.
http://www2.uol.com.br/sciam/noticia...ema_solar.html
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