Mentes brilhantes e as lendárias empresas do Vale do Silício na Califórnia fizeram a historia da eletrônica e da computação


Inventado por cientistas do Bell Telephone Laboratories no dia 16 de dezembro de 1947 -- cinqüenta anos depois da descoberta do elétron por Joseph John Thomson e cem anos depois do nascimento de Alexander Graham Bell -- o transistor valeu aos seus inventores o prêmio Nobel de física de 1956. É citado na edição de janeiro de 1998 da revista Proceedings of the IEEE (edição comemorativa dos 50 anos do transistor) como “a invenção da engenharia elétrica mais revolucionária do século 20, cujo impacto é sentido a todo momento, em todo lugar na era da informação”.


Um substituto para as válvulas


A história do transistor começa há mais de cinqüenta anos, em 1947. A Segunda Guerra havia terminado, e as indústrias de todo o mundo procuravam tomar novos rumos. Armas e equipamentos bélicos não eram mais a prioridade. A economia do pós-guerra trazia novas necessidades.

A expansão das telecomunicações e da informática naquele período, por exemplo, era bastante promissora. Contudo, a tecnologia da época não favorecia esse desenvolvimento potencial. Sistemas telefônicos, equipamentos de telecomunicações e computadores empregavam um grande número de dispositivos amplificadores e comutadores. Mas os sistemas eletromecânicos disponíveis eram lentos, pouco confiáveis e dissipavam grande quantidade de calor.

Um desses dispositivos eletromecânicos amplamente utilizados era o relê (relay, em inglês). Consistia em um magneto (material sensível a campos magnéticos) que se deslocava unindo dois contatos de metal, que por sua vez fechavam um circuito. Uma pequena quantidade de energia no circuito magnético podia controlar uma grande quantidade de energia no circuito de contato. O dispositivo era relativamente simples, resistente e bastante confiável -- uma excelente chave (interruptor, comutador). A limitação dos relês era sua velocidade -- levavam cerca de um milésimo de segundo para abrir ou fechar um contato (o que em sistemas de telecomunicações é uma eternidade).

Havia ainda a válvula (vacuum tube, em inglês), cujo funcionamento baseava-se no fluxo de elétrons no vácuo. A válvula era basicamente uma capsula de vidro contendo um filamento aquecido que emitia elétrons. Esses elétrons ejetados eram coletados em uma placa positivamente carregada. O fluxo de elétrons do filamento era controlado por uma pequena tensão elétrica em um eletrodo localizado entre o filamento (anodo) e a placa (catodo), chamado grade. A válvula podia comutar e amplificar, e como os elétrons podiam viajar velozmente no vácuo, era bem mais rápida que o relê (cerca de um milhão de vezes mais rápida). Mas o problema é que as válvulas exigiam fornecimento de energia constante e sua vida útil era bastante limitada. Assim, a válvula era boa em aplicações que empregavam um pequeno número delas, como nos rádios. Onde milhares eram necessárias, como em computadores, a válvula não era adequada.


Desvendando os semicondutores


A busca de tecnologias alternativas foi uma conseqüência natural. Cientistas em laboratórios de todo o mundo estavam em busca de um dispositivo eletrônico que substituísse relês e válvulas. Na época, os cientistas estudavam as propriedades elétricas de todo tipo de material. Submetiam amostras a dezenas de testes e classificavam os materiais em dois grupos: aqueles que conduziam eletricidade, os condutores, e aqueles que não conduziam, os isolantes -- ou dielétricos. Mas, depois de muitos testes, uma surpresa: alguns materiais não se comportavam nem como condutores nem como isolantes: ora conduziam corrente elétrica ora a bloqueavam. Descobriu-se os semicondutores e surgiu finalmente uma alternativa tecnológica interessante para os relês e válvulas. Percebeu-se que esse comportamento conduz/não conduz dos semicondutores podia ser usado para construir comutadores e moduladores eletrônicos. A grande expectativa era que o emprego de dispositivos construídos com semicondutores prometia inúmeras vantagens: elétrons viajando pequenas distâncias em um sólido, nada de partes móveis, nada de filamentos aquecidos e nada de vácuo. Deveria então ser rápido, barato e confiável.

No verão de 1945, um grupo de pesquisa neste campo foi organizado no Bell Telephone Laboratories em Murray Hill, estado de New Jersey, nos Estados Unidos. A iniciativa foi do diretor de pesquisas do Bell Labs, Mervin Kelly. Há anos Kelly sonhava em encontrar um substituto eletrônico para os relês do sistema telefônico. Ele havia organizado um programa de pesquisa com esse objetivo na década de 30, mas o trabalho foi interrompido com a guerra. Com o fim da guerra, o programa foi reativado.

No início de 1946, o grupo já estava praticamente formado. Um dos líderes era William Shockley, um físico com doutorado no MIT. Faziam parte ainda dois elementos chave no grupo: o engenheiro elétrico John Bardeen e o físico Walter Brattain.



Da esq. para dir., Bardeen, Schockley e Brattain


Os cientistas estava surpresos com as pesquisas de dispositivos que empregavam germânio e silício em detetores para radar. Esperava-se descobrir outras propriedades promissoras desses materiais semicondutores. Dessa forma, por volta de janeiro de 1946, duas decisões críticas foram tomadas. A primeira foi a decisão de focalizar a atenção do grupo em cristais de silício e germânio, ignorando outros materiais mais complexos utilizados em outras pesquisas. A segunda decisão consistiu em investigar o efeito de campos elétricos em semicondutores.

Shockley imaginou que seria possível alterar a condutividade de um pequeno bloco de germânio aplicando sobre sua superfície um campo elétrico adequado. Esse campo poderia modificar a distribuição de cargas elétricas no corpo do semicondutor e, consequentemente, alterar sua capacidade de conduzir eletricidade. Tipicamente, o campo era criado aplicando-se uma tensão a uma placa de metal próxima, porém isolada, do material semicondutor. Variando-se a tensão na placa de metal, podia-se variar a corrente fluindo através do semicondutor, obtendo-se assim um ganho de potência. Contudo, todas as tentativas nesse sentido foram frustradas.

Foi Bardeen quem descobriu por quê. Ele sugeriu que o campo elétrico aplicado não penetrava apropriadamente no semicondutor. Isso devia-se a cargas elétricas imóveis, situadas na superfície do material. Essas cargas, embora em número reduzido, acabavam por criar uma blindagem que “protegia” o semicondutor do campo elétrico aplicado. Brattain conduziu experimentos que confirmaram o modelo proposto por Bardeen. Finalmente algum progresso era feito.


A invenção do transistor


Os pesquisadores do Bell Labs tentaram, então, encontrar formas de minimizar o efeito das cargas na superfície. Tentaram diversos tipos de montagens e configurações a fim de verificar o tão esperado efeito de campo. No dia 16 de dezembro de 1947, em uma dessas montagens, Brattain utilizou dois contatos de ouro separados por apenas alguns milímetros e pressionados contra a superfície de um pequeno bloco de germânio. Com as devidas tensões elétricas aplicadas, os cientistas verificaram que uma corrente elétrica fluía pelo material semicondutor, configurando assim o efeito de amplificação tão desejado (efeito transistor).

O primeiro transistor construído por Bardeen e Brattain ficou conhecido como transistor de ponto de contato. Esse transistor fazia o trabalho de uma válvula termoiônica sem requerer um anodo de alta tensão e um catodo em alta temperatura capaz de ejetar elétrons. Além disso, não precisava de invólucro -- uma capsula de vidro -- como a válvula, e era bem menor do que esta.



O primeiro transistor, construído por Bardeen e Brattain


No dia 24, o dispositivo foi apresentado à diretoria do Bell Labs, desta vez funcionando como um oscilador (a oscilação é uma característica fundamental em telecomunicações, sendo usada em equipamentos de geração e recepção de sinais).

Contudo, ainda não se entendia perfeitamente o funcionamento do dispositivo. Seria um efeito de superfície ou a ação estava ocorrendo no corpo do semicondutor? Bardeen e Brattain continuaram pesquisando os efeitos na superfície. Shockley, contudo, havia percebido a importância da movimentação de cargas elétricas no interior do semicondutor. No final de janeiro de 1948, ele completou a formulação teórica de um dispositivo semicondutor que mais tarde seria chamado de “transistor de junção”.

O anúncio da descoberta do transistor, contudo, foi adiado até junho de 1948. Estes seis meses foram gastos pesquisando-se mais sobre o dispositivo, buscando entendê-lo melhor e investigando suas possíveis aplicações. O objetivo era obter uma posição melhor para o registro das patentes. No dia 17 de junho de 1948, Bardeen e Brattain entraram com um pedido de patente para o transistor de ponto de contato. No dia 26, Shockley registrou um pedido de patente para o seu transistor de junção. Até então, o transistor era um segredo do Bell Labs.

No dia 30 de junho de 1948, o transistor de Brattain e Bardeen foi demonstrado para a imprensa nas instalações do Bell Labs em Nova York. A imprensa comum deu pouca atenção, mas a imprensa especializada reconheceu sua importância. O jornal The New York Times reportou a história quase na última página no dia 1º de julho de 1948 na sua coluna “As Notícias do Rádio”:

“Um dispositivo chamado transistor, com inúmeras aplicações no rádio, onde as válvulas são amplamente empregadas, foi demonstrado pela primeira vez ontem no Bell Telephone Laboratories, na rua West, 463, onde foi inventado. O dispositivo foi usado num receptor de rádio, que não continha nenhum tipo de válvula convencional. Foi mostrado também num sistema telefônico e num aparelho de televisão controlado por um receptor colocado no piso inferior. Em cada caso, o transistor foi empregado como amplificador, embora seja dito que ele possa ser usado também como oscilador, de forma a criar e enviar ondas de rádio. No formato de um pequeno cilindro metálico com pouco mais de meia polegada de comprimento, o transistor não contém vácuo, grade, placas ou invólucro de vidro para manter o ar afastado. Sua ação é instantânea, não havendo atrasos por aquecimento, uma vez que não é gerado calor como em uma válvula. As partes funcionais do dispositivo consistem somente de dois finos fios que se ligam a uma placa de material semicondutor soldada a uma base de metal. O material na base de metal amplifica a corrente que chega até ela por um dos fios. O outro fio conduz a corrente amplificada.”

Em 15 de julho de 1948, a revista especializada Physical Review publicou três artigos sobre o transistor: dois de Brattain e Bardeen e um de Shockley. Foram os primeiros artigos técnicos amplamente difundidos explicando os princípios básicos do novo dispositivo.