Percebe
12-05-2005, 15:48:06
ARMADILHA DIGITAL
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OBS: A MATÉRIA DA SUPER-INTERESSANTE FOI PUBLICADA EM OUTUBRO DO ANO 2000
Os benefícios da Internet todo mundo já conhece. Mas cuidado: novos estudos mostram que a Web pode viciar tanto quanto uma droga
O carioca Bruno Parodi é um rapaz de sucesso. Aos 23 anos, ele é um dos donos da Tessera, empresa de Internet que, segundo diz, vai muito bem, obrigado, apesar das tempestades que assolam a economia pontocom. Fundada em 1995, quando Bruno tinha apenas 18 anos, a Tessera desenvolve projetos virtuais para terceiros e mantém na rede produtos próprios, como o Indicão, um site de entretenimento personalizado, que, em apenas dois meses de vida, capturou 10.000 usuários registrados e já computou 2 milhões de páginas vistas.
Apesar disso, a habilidade empreendedora não é o detalhe que mais se destaca no perfil desse jovem empresário. Incrível mesmo é a sua capacidade de se manter plugado na Internet por horas a fio, numa demonstração de resistência muito além do limite de pessoas comuns.
"São 12 horas de conexão por dia", diz Bruno. "Tenho mais de 10 contas de e-mail. Recebo, em média, 400 mensagens diariamente e, tirando os spams (aquelas irritantes propagandas não solicitadas que costumam invadir nossos micros), respondo a todas." É mole? Pois tem mais. Com toda essa montanha de correspondência desabando em sua tela, o rapaz ainda encontra tempo para navegar por dezenas de sites de informação, bater papo online com 700 pessoas cadastradas em seu canal de ICQ - de figuras anônimas a celebridades como o craque Ronaldinho - e, de quebra, costuma publicar na rede artigos sobre marketing e comunicação, sua especialidade profissional. "Conheço muita gente importante do mercado sem nunca ter visto pessoalmente. Até meu sócio na empresa eu encontrei na Internet", revela.
Bruno é um gênio? Um fenômeno da sociedade tecnológica? Ele próprio acha que não. "Considero-me um viciado em internet, um webaholic". Como os profissionais obsessivos por trabalho, os workaholics, o jovem carioca traça sua auto-imagem com bom humor e com uma ponta de vaidade. Mas a verdade é que comportamentos como o de Bruno começam a ser vistos como sinal de uma nova doença: a compulsão pela vida digital. As infinitas facilidades proporcionadas pela Internet, como fonte de informações e serviços ou como meio de comunicação entre as pessoas, têm levado muita gente a perder o controle do tempo quando estão plugadas. Quando isso acontece, o resultado é sempre uma sucessão de prejuízos que vão do desequilíbrio nas relações afetivas até a perda do emprego.
Chega a ser paradoxal que uma inovação tecnológica que está revolucionando os negócios, ampliando o provimento de informações e colocando em contato pessoas dos quatro cantos do planeta possa ser associada a uma patologia. No entanto, estudos realizados nos últimos quatro anos, especialmente nos Estados Unidos - berço da Internet e país onde existem, hoje, 146 milhões de internautas -, evidenciam que atuar na rede mundial de computadores tem lá os seus perigos.
No primeiro semestre do ano 2000, por exemplo, uma pesquisa da Universidade Stanford com 35.000 usuários de Internet em cidades americanas atestou que o uso abusivo da rede está criando uma nova categoria de pessoas solitárias, que se refugiam nos computadores e já não se interessam pelas obrigações e prazeres do mundo real. O dado não é exatamente uma novidade. Afinal, dois anos antes, outro estudo, patrocinado pela organização HomeNet em Pittsburgh, na Pensilvânia, havia identificado uma significativa tendência à depressão entre usuários intensivos da internet. O curioso é que, dessa vez, a divulgação dos resultados chocou de tal modo os americanos que um dos coordenadores da pesquisa, Norman Nie, não conteve um desabafo: "Eu sabia que o assunto é sério", disse. "Mas não esperava que fosse tão explosivo".
Estima-se que pelo menos 200.000 americanos perderam o controle sobre o uso da Internet e hoje sofrem de um mal catalogado pela Associação Americana de Psicologia como PIU (Pathological Internet Use), ou Uso Doentio da Internet, cujo sintoma básico é o uso preferencial e, muitas vezes, exclusivo da Internet sobre todas as outras atividades do cotidiano. Suas vítimas se tornam incapazes de controlar o número de horas que permanecem ligadas na rede, numa onda compulsiva que acaba isolando-as de familiares e amigos e comprometendo seu desempenho profissional.
É uma obsessão como o vício em jogo, dizem os especialistas, mas cujos efeitos se assemelham aos da dependência de drogas químicas. Um viciado em internet costuma ficar triste ou ansioso quando não está conectado. Ele também desenvolve o fenômeno da tolerância - isto é, passa a ter necessidade de permanecer conectado por períodos cada vez mais longos para alcançar o mesmo nível de satisfação. A síndrome de abstinência, provocada pela cessação do uso da rede, pode incluir até distúrbios psicomotores, entre os quais o movimento incontrolável dos dedos, como se o internauta continuasse teclando mensagens sem fim num computador imaginário.
É provável que, enquanto lê esta reportagem, você já tenha se perguntado: não seria esse um risco a que estão expostos apenas os nerds, aqueles fanáticos por computador? Afinal, são eles e não os usuários comuns, como eu e você, que dão plantão permanente na frente de um monitor. Também pensávamos assim até conversarmos com Kimberly Young, doutora em Psicologia e autora do mais completo estudo já realizado sobre dependência de Internet nos Estados Unidos. "Qualquer pessoa que possui um computador e um modem pode tornar-se um cyber-dependente", diz Kimberly. Inclusive você.
A propósito, a pesquisa feita por essa americana constatou que a dependência é maior entre pessoas que navegavam na Web há pouco mais de seis meses. No Brasil, onde, segundo o Ibope, existem 5 milhões de internautas (alguns institutos, como o Media Metrix, calculam que eles já passam de 8,5 milhões) e estima-se que mais 2,5 milhões chegarão à rede nos próximos três anos, não há ainda estatísticas sobre o problema. Mas os casos de dependência digital começam a sair do anonimato.
Se você ficou impressionado com a rotina de Bruno Parodi, é bom ficar sabendo: ele ainda está longe de ser um caso grave de cyber-dependência. Bruno passa metade do dia surfando na web, mas boa parte de suas atividades online dizem respeito aos seus negócios que, aparentemente, até agora não foram prejudicados. E é justamente aí que está a linha divisória entre a normalidade e a dependência na Internet, segundo os pesquisadores americanos. Apesar de os estudos indicarem que a maioria dos webaholics fica plugada na rede, em média, 38 horas por semana, o que mais importa, na definição do quadro clínico, é o impacto do uso da Internet na vida de cada usuário e não o tempo de conexão.
Veja o caso de Rafael Fijalkowski, um gaúcho de 23 anos, estudante de Radiologia em Porto Alegre, RS. No início de 1999, ele entrou pela primeira vez numa sala de bate-papo na Internet e sua vida nunca mais foi a mesma. Piorou muito, ressalte-se. Fascinado pelas conversas online e pelo namoro virtual, Rafael deixou de lado festas, amigos e até a família. "Perdi um semestre na faculdade porque já não conseguia estudar". Exceto por um único final de semana, Rafael costuma ficar bem menos que 12 horas por dia plugado, mas os efeitos da obsessão digital em sua vida são mais nocivos que na do carioca Bruno. Por que isso acontece?
Depois de estudar o comportamento de jovens internautas como Rafael, um outro pesquisador, o doutor em Psicologia John Suler, da Universidade Rider, em Lawrenceville, Nova Jérsei, Estados Unidos, concluiu que a Internet funciona como uma extensão do mundo psíquico do indivíduo, um lugar onde a comunicação escrita (as limitações técnicas ainda não permitem a generalização das videoconferências nos chats) estimula os processos psicológicos de projeção e transferência.
No anonimato das conversas online qualquer pessoa é capaz de não apenas expressar seus desejos e fantasias com uma liberdade que jamais teria no mundo real, como também de projetar com mais intensidade no outro suas aspirações, ansiedades e receios. O garoto tímido se transforma no galã bem apessoado e falante. A mulher feia ganha contornos de diva. O teclado aceita tudo e o medo de rejeição praticamente desaparece, em razão da possibilidade de sair de cena a qualquer momento, sem deixar rastro sobre a própria identidade. A Internet, assim, proporciona uma gratificação imediata, uma experiência prazerosa que, no entanto, pode reforçar determinados comportamentos e necessidades não supridas pelo mundo real.
A dependência digital é também um problema para as empresas. Quase 70% do tráfego em sites eróticos ocorre durante o horário comercial e é protagonizado por profissionais que utilizam computadores das companhias para burlar o trabalho e dar vazão às fantasias. Incomodadas com a queda da produtividade, elas começam a reagir. Em 1999, a Xerox Corporation, nos Estados Unidos, demitiu, em um único dia, 40 funcionários, que acessaram páginas pornográficas em horário de serviço. Em Julho, foi a vez de a Dow Chemical mandar para o olho da rua 50 funcionários e suspender outros 200 por uso do e-mail da companhia para correspondências obscenas. A preocupação se estende, inclusive, aos teletrabalhadores, os profissionais que, mesmo vinculados a uma empresa, trabalham em casa, através da Internet.
Em tese, quem acessa a Internet no trabalho tem menos chances de se tornar dependente, segundo o psiquiatra Dartiu Xavier da Silveira, coordernador do Proad, o programa de assistência a dependentes de drogas da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP). É que, nesse caso, o uso se dá por necessidade, não por fuga. A exceção são os trabalhadores que, muitas vezes, acabam desenvolvendo uma atitude obsessiva, perdendo a noção do tempo diante do computador doméstico.
Mesmo avalizados por universidades de prestígio, os estudos sobre dependência digital ainda constituem um tema polêmico, contra o qual se insurgem alguns acadêmicos. Eles questionam, por exemplo, os critérios das pesquisas e estranham que cientistas se assustem com a absorção de rotinas do cotidiano pela Internet, quando o desenvolvimento da tecnologia de teleimersão em breve deverá tornar corriqueiras a prática de esportes, a troca de carícias e a percepção de odores em ambientes de realidade virtual. Para cientistas como Jaron Lanier, criador da expressão realidade virtual e um dos pais do programa Internet 2, a rede de altíssima velocidade, difícil é imaginar o que estará fora do mundo virtual daqui a 20 anos. No Brasil, a contracorrente é liderada pela doutora em Psicologia Ana Maria Nicolaci-da-Costa, da Pontifícia Universidade Católica (PUC) do Rio de Janeiro. Seu raciocínio: ninguém considera viciada uma pessoa que passa quatro horas por dia diante da televisão, mas se está querendo aplicar o rótulo a quem acessa a Internet apenas dez horas por semana. Para a psiquiatra paulista Denise Razzouk, não há como uma pessoa equilibrada viciar-se em Internet ou em qualquer coisa.
Chame-se a isso vício, uso patológico ou mania, a verdade é que muita gente não tem conseguido conviver de forma saudável com uma novidade que está mudando radicalmente o mundo e o estilo de vida das pessoas. E, neste caso, a solução é impor limites que assegurem o retorno ao equilíbrio, seja por meio de uma boa dose de autodisciplina, seja com ajuda de terapia psicológica. Em muitos casos, o tratamento do webaholic inclui a administração de calmantes e antidepressivos. Qualquer que seja a alternativa, porém, o xis da questão é sempre o reconhecimento, pelo dependente, de que algo anda errado em sua relação com os bits. "Não é fácil", diz a psicóloga Rosa Maria Farah, do Núcleo de Pesquisa de Psicologia em Informática da PUC, em São Paulo. "A resistência do dependente é muito grande e são sempre os familiares e amigos que tomam a iniciativa de buscar ajuda".
Lembra de Rafael, o gaúcho? Não são poucas as vezes em que ele pensou em fazer um tratamento, mas na hora H... "A gente sempre arruma uma desculpa para não procurar ajuda" , diz. Talvez, nenhuma trilha para a cura leve tão rápido a resultados quanto a encontrada pelo webdesigner paulistano Eduardo Salgado, cuja vida andava enroscada na rede. Ele já havia perdido os amigos, que não aguentavam mais aquele interminável "minutinho" para terminar algo na Internet, quando se viu forçado a vender o micro. "No começo foi duro, fiquei desesperado", afirma. "Mas depois descobri o que estava perdendo. Havia vida fora da tela".
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EU TENHO A CURA!
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Especialista americana promete libertar dependentes da Internet com terapia virtual
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Webaholics de todo o mundo, Kimberly Young está na rede. Doutora em Psicologia, Kimberly é especialista em identificar náufragos no oceano de bits e promete trazê-los de volta à terra firme em, no máximo, 18 sessões de terapia. A operação resgate não poderia ser mais cômoda, pelo menos para quem não consegue desligar o modem: tudo é feito através da própria Internet. O interessado só precisa acessar o site www.netaddiction.com e estar disposto a desembolsar 25 ou 89 dólares por consulta, conforme a opção por e-mail ou conversa online de 50 minutos.
Kimberly descobriu a face escura do mundo virtual numa madrugada de 1994. O telefone tocou e, na outra ponta da linha, sua irmã Marsha desabafou. Estava decidida a divorciar-se porque o marido, um internauta que já naquela época teclava até a madrugada, a havia trocado pelo computador. Três anos mais tarde, após pesquisar 500 usuários pesados da Internet, Kimberly publicou "Caught in the Net" (algo como "Enroscado na Rede"), livro que acabou virando uma espécie de bíblia para estudiosos do problema e, principalmente, suas vítimas. A obra, já traduzida para o alemão, o italiano e o dinamarquês, contém afirmações peremptórias e, às vezes, polêmicas.
Há quem discorde do método de pesquisa da psicóloga - os dados foram levantados principalmente por meio da Internet - e de suas conclusões, tidas como alarmistas pelos críticos. Apesar disso, Kimberly é reconhecida como autoridade no assunto e presta seus serviços a empresas e entidades governamentais como a Motorola, a CIA e o Departamento de Saúde do Estado de Nova York. Seu estilo afirmativo está presente nesta entrevista à SUPER:
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OBS: A MATÉRIA DA SUPER-INTERESSANTE FOI PUBLICADA EM OUTUBRO DO ANO 2000
Os benefícios da Internet todo mundo já conhece. Mas cuidado: novos estudos mostram que a Web pode viciar tanto quanto uma droga
O carioca Bruno Parodi é um rapaz de sucesso. Aos 23 anos, ele é um dos donos da Tessera, empresa de Internet que, segundo diz, vai muito bem, obrigado, apesar das tempestades que assolam a economia pontocom. Fundada em 1995, quando Bruno tinha apenas 18 anos, a Tessera desenvolve projetos virtuais para terceiros e mantém na rede produtos próprios, como o Indicão, um site de entretenimento personalizado, que, em apenas dois meses de vida, capturou 10.000 usuários registrados e já computou 2 milhões de páginas vistas.
Apesar disso, a habilidade empreendedora não é o detalhe que mais se destaca no perfil desse jovem empresário. Incrível mesmo é a sua capacidade de se manter plugado na Internet por horas a fio, numa demonstração de resistência muito além do limite de pessoas comuns.
"São 12 horas de conexão por dia", diz Bruno. "Tenho mais de 10 contas de e-mail. Recebo, em média, 400 mensagens diariamente e, tirando os spams (aquelas irritantes propagandas não solicitadas que costumam invadir nossos micros), respondo a todas." É mole? Pois tem mais. Com toda essa montanha de correspondência desabando em sua tela, o rapaz ainda encontra tempo para navegar por dezenas de sites de informação, bater papo online com 700 pessoas cadastradas em seu canal de ICQ - de figuras anônimas a celebridades como o craque Ronaldinho - e, de quebra, costuma publicar na rede artigos sobre marketing e comunicação, sua especialidade profissional. "Conheço muita gente importante do mercado sem nunca ter visto pessoalmente. Até meu sócio na empresa eu encontrei na Internet", revela.
Bruno é um gênio? Um fenômeno da sociedade tecnológica? Ele próprio acha que não. "Considero-me um viciado em internet, um webaholic". Como os profissionais obsessivos por trabalho, os workaholics, o jovem carioca traça sua auto-imagem com bom humor e com uma ponta de vaidade. Mas a verdade é que comportamentos como o de Bruno começam a ser vistos como sinal de uma nova doença: a compulsão pela vida digital. As infinitas facilidades proporcionadas pela Internet, como fonte de informações e serviços ou como meio de comunicação entre as pessoas, têm levado muita gente a perder o controle do tempo quando estão plugadas. Quando isso acontece, o resultado é sempre uma sucessão de prejuízos que vão do desequilíbrio nas relações afetivas até a perda do emprego.
Chega a ser paradoxal que uma inovação tecnológica que está revolucionando os negócios, ampliando o provimento de informações e colocando em contato pessoas dos quatro cantos do planeta possa ser associada a uma patologia. No entanto, estudos realizados nos últimos quatro anos, especialmente nos Estados Unidos - berço da Internet e país onde existem, hoje, 146 milhões de internautas -, evidenciam que atuar na rede mundial de computadores tem lá os seus perigos.
No primeiro semestre do ano 2000, por exemplo, uma pesquisa da Universidade Stanford com 35.000 usuários de Internet em cidades americanas atestou que o uso abusivo da rede está criando uma nova categoria de pessoas solitárias, que se refugiam nos computadores e já não se interessam pelas obrigações e prazeres do mundo real. O dado não é exatamente uma novidade. Afinal, dois anos antes, outro estudo, patrocinado pela organização HomeNet em Pittsburgh, na Pensilvânia, havia identificado uma significativa tendência à depressão entre usuários intensivos da internet. O curioso é que, dessa vez, a divulgação dos resultados chocou de tal modo os americanos que um dos coordenadores da pesquisa, Norman Nie, não conteve um desabafo: "Eu sabia que o assunto é sério", disse. "Mas não esperava que fosse tão explosivo".
Estima-se que pelo menos 200.000 americanos perderam o controle sobre o uso da Internet e hoje sofrem de um mal catalogado pela Associação Americana de Psicologia como PIU (Pathological Internet Use), ou Uso Doentio da Internet, cujo sintoma básico é o uso preferencial e, muitas vezes, exclusivo da Internet sobre todas as outras atividades do cotidiano. Suas vítimas se tornam incapazes de controlar o número de horas que permanecem ligadas na rede, numa onda compulsiva que acaba isolando-as de familiares e amigos e comprometendo seu desempenho profissional.
É uma obsessão como o vício em jogo, dizem os especialistas, mas cujos efeitos se assemelham aos da dependência de drogas químicas. Um viciado em internet costuma ficar triste ou ansioso quando não está conectado. Ele também desenvolve o fenômeno da tolerância - isto é, passa a ter necessidade de permanecer conectado por períodos cada vez mais longos para alcançar o mesmo nível de satisfação. A síndrome de abstinência, provocada pela cessação do uso da rede, pode incluir até distúrbios psicomotores, entre os quais o movimento incontrolável dos dedos, como se o internauta continuasse teclando mensagens sem fim num computador imaginário.
É provável que, enquanto lê esta reportagem, você já tenha se perguntado: não seria esse um risco a que estão expostos apenas os nerds, aqueles fanáticos por computador? Afinal, são eles e não os usuários comuns, como eu e você, que dão plantão permanente na frente de um monitor. Também pensávamos assim até conversarmos com Kimberly Young, doutora em Psicologia e autora do mais completo estudo já realizado sobre dependência de Internet nos Estados Unidos. "Qualquer pessoa que possui um computador e um modem pode tornar-se um cyber-dependente", diz Kimberly. Inclusive você.
A propósito, a pesquisa feita por essa americana constatou que a dependência é maior entre pessoas que navegavam na Web há pouco mais de seis meses. No Brasil, onde, segundo o Ibope, existem 5 milhões de internautas (alguns institutos, como o Media Metrix, calculam que eles já passam de 8,5 milhões) e estima-se que mais 2,5 milhões chegarão à rede nos próximos três anos, não há ainda estatísticas sobre o problema. Mas os casos de dependência digital começam a sair do anonimato.
Se você ficou impressionado com a rotina de Bruno Parodi, é bom ficar sabendo: ele ainda está longe de ser um caso grave de cyber-dependência. Bruno passa metade do dia surfando na web, mas boa parte de suas atividades online dizem respeito aos seus negócios que, aparentemente, até agora não foram prejudicados. E é justamente aí que está a linha divisória entre a normalidade e a dependência na Internet, segundo os pesquisadores americanos. Apesar de os estudos indicarem que a maioria dos webaholics fica plugada na rede, em média, 38 horas por semana, o que mais importa, na definição do quadro clínico, é o impacto do uso da Internet na vida de cada usuário e não o tempo de conexão.
Veja o caso de Rafael Fijalkowski, um gaúcho de 23 anos, estudante de Radiologia em Porto Alegre, RS. No início de 1999, ele entrou pela primeira vez numa sala de bate-papo na Internet e sua vida nunca mais foi a mesma. Piorou muito, ressalte-se. Fascinado pelas conversas online e pelo namoro virtual, Rafael deixou de lado festas, amigos e até a família. "Perdi um semestre na faculdade porque já não conseguia estudar". Exceto por um único final de semana, Rafael costuma ficar bem menos que 12 horas por dia plugado, mas os efeitos da obsessão digital em sua vida são mais nocivos que na do carioca Bruno. Por que isso acontece?
Depois de estudar o comportamento de jovens internautas como Rafael, um outro pesquisador, o doutor em Psicologia John Suler, da Universidade Rider, em Lawrenceville, Nova Jérsei, Estados Unidos, concluiu que a Internet funciona como uma extensão do mundo psíquico do indivíduo, um lugar onde a comunicação escrita (as limitações técnicas ainda não permitem a generalização das videoconferências nos chats) estimula os processos psicológicos de projeção e transferência.
No anonimato das conversas online qualquer pessoa é capaz de não apenas expressar seus desejos e fantasias com uma liberdade que jamais teria no mundo real, como também de projetar com mais intensidade no outro suas aspirações, ansiedades e receios. O garoto tímido se transforma no galã bem apessoado e falante. A mulher feia ganha contornos de diva. O teclado aceita tudo e o medo de rejeição praticamente desaparece, em razão da possibilidade de sair de cena a qualquer momento, sem deixar rastro sobre a própria identidade. A Internet, assim, proporciona uma gratificação imediata, uma experiência prazerosa que, no entanto, pode reforçar determinados comportamentos e necessidades não supridas pelo mundo real.
A dependência digital é também um problema para as empresas. Quase 70% do tráfego em sites eróticos ocorre durante o horário comercial e é protagonizado por profissionais que utilizam computadores das companhias para burlar o trabalho e dar vazão às fantasias. Incomodadas com a queda da produtividade, elas começam a reagir. Em 1999, a Xerox Corporation, nos Estados Unidos, demitiu, em um único dia, 40 funcionários, que acessaram páginas pornográficas em horário de serviço. Em Julho, foi a vez de a Dow Chemical mandar para o olho da rua 50 funcionários e suspender outros 200 por uso do e-mail da companhia para correspondências obscenas. A preocupação se estende, inclusive, aos teletrabalhadores, os profissionais que, mesmo vinculados a uma empresa, trabalham em casa, através da Internet.
Em tese, quem acessa a Internet no trabalho tem menos chances de se tornar dependente, segundo o psiquiatra Dartiu Xavier da Silveira, coordernador do Proad, o programa de assistência a dependentes de drogas da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP). É que, nesse caso, o uso se dá por necessidade, não por fuga. A exceção são os trabalhadores que, muitas vezes, acabam desenvolvendo uma atitude obsessiva, perdendo a noção do tempo diante do computador doméstico.
Mesmo avalizados por universidades de prestígio, os estudos sobre dependência digital ainda constituem um tema polêmico, contra o qual se insurgem alguns acadêmicos. Eles questionam, por exemplo, os critérios das pesquisas e estranham que cientistas se assustem com a absorção de rotinas do cotidiano pela Internet, quando o desenvolvimento da tecnologia de teleimersão em breve deverá tornar corriqueiras a prática de esportes, a troca de carícias e a percepção de odores em ambientes de realidade virtual. Para cientistas como Jaron Lanier, criador da expressão realidade virtual e um dos pais do programa Internet 2, a rede de altíssima velocidade, difícil é imaginar o que estará fora do mundo virtual daqui a 20 anos. No Brasil, a contracorrente é liderada pela doutora em Psicologia Ana Maria Nicolaci-da-Costa, da Pontifícia Universidade Católica (PUC) do Rio de Janeiro. Seu raciocínio: ninguém considera viciada uma pessoa que passa quatro horas por dia diante da televisão, mas se está querendo aplicar o rótulo a quem acessa a Internet apenas dez horas por semana. Para a psiquiatra paulista Denise Razzouk, não há como uma pessoa equilibrada viciar-se em Internet ou em qualquer coisa.
Chame-se a isso vício, uso patológico ou mania, a verdade é que muita gente não tem conseguido conviver de forma saudável com uma novidade que está mudando radicalmente o mundo e o estilo de vida das pessoas. E, neste caso, a solução é impor limites que assegurem o retorno ao equilíbrio, seja por meio de uma boa dose de autodisciplina, seja com ajuda de terapia psicológica. Em muitos casos, o tratamento do webaholic inclui a administração de calmantes e antidepressivos. Qualquer que seja a alternativa, porém, o xis da questão é sempre o reconhecimento, pelo dependente, de que algo anda errado em sua relação com os bits. "Não é fácil", diz a psicóloga Rosa Maria Farah, do Núcleo de Pesquisa de Psicologia em Informática da PUC, em São Paulo. "A resistência do dependente é muito grande e são sempre os familiares e amigos que tomam a iniciativa de buscar ajuda".
Lembra de Rafael, o gaúcho? Não são poucas as vezes em que ele pensou em fazer um tratamento, mas na hora H... "A gente sempre arruma uma desculpa para não procurar ajuda" , diz. Talvez, nenhuma trilha para a cura leve tão rápido a resultados quanto a encontrada pelo webdesigner paulistano Eduardo Salgado, cuja vida andava enroscada na rede. Ele já havia perdido os amigos, que não aguentavam mais aquele interminável "minutinho" para terminar algo na Internet, quando se viu forçado a vender o micro. "No começo foi duro, fiquei desesperado", afirma. "Mas depois descobri o que estava perdendo. Havia vida fora da tela".
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EU TENHO A CURA!
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Especialista americana promete libertar dependentes da Internet com terapia virtual
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Webaholics de todo o mundo, Kimberly Young está na rede. Doutora em Psicologia, Kimberly é especialista em identificar náufragos no oceano de bits e promete trazê-los de volta à terra firme em, no máximo, 18 sessões de terapia. A operação resgate não poderia ser mais cômoda, pelo menos para quem não consegue desligar o modem: tudo é feito através da própria Internet. O interessado só precisa acessar o site www.netaddiction.com e estar disposto a desembolsar 25 ou 89 dólares por consulta, conforme a opção por e-mail ou conversa online de 50 minutos.
Kimberly descobriu a face escura do mundo virtual numa madrugada de 1994. O telefone tocou e, na outra ponta da linha, sua irmã Marsha desabafou. Estava decidida a divorciar-se porque o marido, um internauta que já naquela época teclava até a madrugada, a havia trocado pelo computador. Três anos mais tarde, após pesquisar 500 usuários pesados da Internet, Kimberly publicou "Caught in the Net" (algo como "Enroscado na Rede"), livro que acabou virando uma espécie de bíblia para estudiosos do problema e, principalmente, suas vítimas. A obra, já traduzida para o alemão, o italiano e o dinamarquês, contém afirmações peremptórias e, às vezes, polêmicas.
Há quem discorde do método de pesquisa da psicóloga - os dados foram levantados principalmente por meio da Internet - e de suas conclusões, tidas como alarmistas pelos críticos. Apesar disso, Kimberly é reconhecida como autoridade no assunto e presta seus serviços a empresas e entidades governamentais como a Motorola, a CIA e o Departamento de Saúde do Estado de Nova York. Seu estilo afirmativo está presente nesta entrevista à SUPER: