A pandemia de gripe vem aí
por Pedro Doria
25.06.2005 | O termo em português é gripe, mas não custa nada chamar de influenza. É que gripe parece tão à toa que não dá idéia da crise. A qualquer momento, entre agora e os próximos dez anos, haverá uma pandemia de gripe que poderá paralisar a economia mundial, causar pânico e, durante o período de um a três anos, matar algo entre 180 e 360 milhões de pessoas. Há dúvidas, claro: não é certo quantos serão os mortos, qual a medida do impacto econômico. Mas outras coisas não estão em dúvida.
A pandemia virá.
A pandemia de gripe costuma ser assunto recorrente na imprensa mundial, dá boas capas de revista, e esta é uma das preocupações dos homens encarregados de tratar dela. Porque, quando o surto de gripe vier da Ásia – é de onde virá – a imprensa vai tratar dele com algum estardalhaço e ninguém vai ligar muito até que as primeiras centenas de milhares de mortes comecem a aparecer nos meses iniciais. Aí virá o pânico, a corrida para vacinas, remédios antivirais e antibióticos, o fechamento de fronteiras, a montagem de hospitais de emergência em todo mundo.
Existem três tipos de gripe, A, B e C. B e C não são problema, o problema é aquela de tipo A, porque tanto pássaros quanto mamíferos se contaminam com ela. Mas humanos não pegam gripe de aves. Porcos pegam. Porcos pegam gripe de humanos e gripe de aves. E se um determinado porco pega gripe de gente e gripe de galinha ao mesmo tempo, e se os vírus forem parecidos, é possível que eles se fundam no interior do suíno. E é possível que o resultado final seja um vírus altamente contagioso entre pessoas. Só que como é um vírus novo, ninguém terá qualquer defesa.
O maior risco do momento é a gripe H5N1, que surgiu ano passado no Vietnã. Ela é perigosa, mas não é altamente contagiosa. Pode ficar, pode não – é um jogo estatístico sobre o qual ninguém tem controle, por isso a importância de erradicar tantas galinhas contaminadas quanto possível antes que ele tenha alguma chance.
Pandemias de influenza são cíclicas. No século 20, foram três. A Gripe Espanhola, entre 1918 e 19, a Asiática, em 57, e a de Hong Kong, em 1968. A primeira foi catastrófica. É impossível dizer quantos morreram, mas foram mais do que as vítimas da Primeira Guerra. Nas contas apresentadas na última edição da revista “Foreign Affairs” pelo doutor Michael Osterholm, diretor do Centro de Pesquisa e Política de Doenças Infecciosas dos EUA, a Gripe Espanhola matou algo entre 50 e 100 milhões de pessoas. A próxima pandemia também matará na casa dos milhões.
Um dos motivos é que há 6,5 bilhões de humanos hoje, mais que três vezes a população em 1918. No jogo estatístico simples, mesmo uma pandemia leve terá um efeito catastrófico. Outro motivo é que viagens são fáceis demais, a circulação de pessoas pelo globo, em velocidades muito grandes, é intensa.
Veja-se o caso da SARS, em 2003. A síndrome não era uma gripe, portanto não tinha o mesmo grau absurdo de contágio. Em cinco meses, 8.000 pessoas pegaram a doença e 10% delas morreram. Tão logo a doença foi percebida na China, em 24 horas já havia se espalhado por cinco países, entre eles o Canadá. O resultado para os países onde a doença chegou foi catastrófico. No próprio Canadá, onde uma única pessoa doente chegou vinda de Hong Kong, houve 43 mortes e o país teve um repentino decréscimo de vôos que custou 419 milhões de dólares em perda com turismo, sem contar com outros 763 milhões gastos pelo sistema de saúde. Por 43 mortos. Ao longo de 2003, apenas metade dos aviões voaram para Hong Kong, quando comparado ao ano anterior.
A gripe à toa que circula o mundo todo inverno mata anualmente 1,5 milhão de pessoas.
O resultado de uma pandemia de gripe seria uma SARS em muitas vezes ampliada, deixaria qualquer ameaça terrorista como perigo secundário. O impacto imediato seria o fechamento de fronteiras para tentar impedir o contágio. O fechamento de fronteiras impediria o fluxo comercial e levaria à recessão o mundo todo. Pior: numa economia global, matéria-prima vem dos mais diversos locais. Então, não só toda a indústria e comércio sofreriam com escassez de materiais como o próprio setor farmacêutico teria dificuldades de ampliar sua produção de vacinas, remédios e antibióticos.
Antibióticos são importantes porque, muitas vezes, não se morre de gripe. Mas a doença deixa o organismo tão enfraquecido que bactérias oportunistas tomam-no de assalto. As gripes pandêmicas são particularmente cruéis: gostam de pessoas entre 18 e 45 anos, justamente aquelas consideradas no auge da saúde.
Nos seus primeiros 25 anos, a Aids matou 25 milhões de pessoas. A Gripe Espanhola matou o mesmo em setembro de 1918 – este é o tamanho de uma pandemia de gripe séria. Estudos recentes indicam que a Peste Negra que dizimou um terço da população européia na Idade Média não era, como se supunha, peste bubônica, mas sim uma gripe agravada pela pouca higiene e, portanto, sujeita a bactérias que terminavam o serviço. O vírus da gripe, que mal pode ser considerado um organismo vivo de tão primitivo, é o maior genocida que há.
Na última pandemia, de 1968 e 69, havia 790 milhões de chineses e 5,3 milhões de porcos na China. Hoje, são 1,3 bilhões de chineses que convivem com 13 milhões de porcos. Estas doenças surgem na Ásia por conta do tipo de convívio, íntimo e pouco higiênico, entre tanta gente, tantos porcos e tantas aves, o que facilita o surgimento de novas cepas.
Segundo o doutor Osterholm, o mundo hoje está tão preparado para uma pandemia de influenza quanto estava no final dos anos 60. Foi por sorte, e não por capacidade de reação à emergência, que ela não foi tão séria quanto a gripe de após a Primeira Guerra. Mas a facilidade de trânsito atual é coisa jamais vista, e facilitará a transmissão antes que a pandemia seja percebida.
A pandemia virá porque sempre veio.
Responder com Quote
)!!
Bookmarks